11 de mai. de 2012

Conto - Break Away Into The Light

Olá pessoal!
Depois de tanto tempo, venho aqui com um novo conto, Break Away Into The Light (título tirado da música 'Bad', do U2, que aliás, escutei o tempo todo enquanto escrevia isso. Se quiserem ouvir enquanto estiverem lendo, recomendo. Link dela no Youtube ou no mediafire).
Opiniões são sempre bem vindas, fiquem a vontade! (:


Break Away Into The Light


Seis horas. Seis horas da manhã, e o maldito despertador tocou, sendo silenciado por uma mão furiosa alguns segundos depois. Tentou dormir novamente, enfiando a cabeça debaixo do travesseiro, sem sucesso algum. Resolveu levantar-se antes que realmente se atrasasse. Como fazia todos os dias.
Com um mau humor matinal previsível, dirigiu-se ao banheiro. Depois que saiu do banheiro, alguns minutos antes de sair para trabalhar, ficou alguns segundos observando o movimento lerdo da rua pela janela do prédio.
Pensou, como fazia todas as manhãs, que aquela maldita grade de proteção era uma ideia tão ruim. Daria um trabalho imenso arrancá-la. Se ela não estivesse ali, talvez então pudesse por em prática, talvez então pudesse...
Não, pensou com uma pontada de amargura, Sou covarde demais mesmo para isso.
E resolveu sair, antes que realmente se atrasasse.
***
Isso parece barro, pensou, olhando para a comida comprado por um preço modesto alguns minutos atrás, em um restaurante simples. Pior do que barro, isto não tem gosto de nada.
Colocou a comida de lado, incapaz de ver-se digerindo aquela massa intragável, e resolveu comprar um doce, para saciar a fome até de tarde.
Não havia chocolates naquele restaurante (que surpresa, pensou com irritação), então comprou um doce barato. Foi só quando colocou-o na boca que conseguiu lembrar-se dele. Não do nome, mas do sabor. Sua infância inteira passou na sua cabeça em segundos; brincando, correndo, conversando com colegas de escola e comprando um desses doces na hora do intervalo, enquanto esperava as próximas aulas.
Como pudera se esquecer desse doce? Do quanto o amava, de que tê-lo era uma especial de ritual diário para ele e colegas?
Como é que pudera esquecer tantas coisas a respeito de si mesmo?
Acho que eu só cresci, pensou amargamente. Mas deixou a amargura para depois, e engoliu o resto do doce, que tinha sabor de toda a sua feliz infância.
No fim, o restaurante barato, apesar de ter uma comida indigerível, lhe fizera algo bom. Lhe trouxera lembranças incrivelmente queridas.
E por apenas cinquenta centavos!
***
Maldita fila, pensava enquanto estava esperando o ônibus. Devia estar ali há pelo menos meia hora, como fazia todos os dias.
Realmente, parecia nunca aprender que se saísse naquele horário, teria que esperar, independente do dia.
Engraçado como não mudamos mesmo sabendo que estamos fazendo mal a nós mesmos, pensou com um tom de tristeza. Tristeza porque essas auto-referências começavam a ficar irritantes.
Já tinha noção suficiente da pessoa deprimente que era. Não precisava lembrar-se disso todo instante.
- Desculpe, mas que horas são? – alguém lhe perguntou, pegando-lhe de surpresa.
-  Sete e quarenta e cinco – respondeu, quase gaguejando.
- Ah, agradeço! Estou sem relógio e precisava saber, acho que vou a pé para casa.
E a pessoa saiu, sem dizer outra palavra, deixando-lhe com um ar ainda mais confuso e perdido.
Qual foi a última vez que conversara de verdade com alguém? Qual fora a última vez que sorrira verdadeiramente e que contara para alguém o que se passava em seu interior?
Não conseguia se lembrar.
Só podia recordar-se das conversas simples, superficiais, que mesmo assim, eram um apelo. Era como se gritasse ‘Eu preciso de ajuda! Alguém pode, por favor, me ajudar nisso? Me perdi e nem sei se isso importa mais!’ cada vez que dizia as horas, informava o nome da rua ou comentava sobre o tempo.
Quando foi que se transformara assim, que havia se perdido tanto?
Malditos pensamentos.
Após o que pareceu ser uma eternidade, o ônibus finalmente chegou. Entrou e, por algum milagre não-divino, conseguiu um banco vazio para sentar-se, e da janela, pôs se a observar todo o caminho.
A noite estava cheia de nuvens, mas havia uma ou outra estrela insistindo em aparecer, e a lua, tão cheia, tão bonita, aparecia majestosamente, desafiando as nuvens que teimavam em tentar esconder seu brilho magnânimo.
Por quem vocês brilham? Por que continuam a existir e transmitir tanta beleza para tantas vidas vazias como a minha?
Levou uma das mãos a cabeça, apoiando-a de leve.
Não é justo tanto vazio para uma pessoa só, repetia quase como uma prece em sua cabeça, não é justo.
Mas quem disse que a vida é justa, afinal?
***
Em casa. Infelizmente, finalmente.
Após comer o que sobrara do jantar de ontem, sentou-se no meio de seu apartamento vazio, não ligando para o chão frio ou a sensação de dormência que provavelmente lhe atingiria.
Durante alguns longos minutos, observou o teto, sem fazer ou pensar em absolutamente nada. Então, muito lentamente, levantou-se e apagou as luzes, voltando a sentar-se no chão.
Ficou ali, talvez, por horas; sentia a dormência nas pernas e pés, o frio nos braços, as lágrimas salgadas escorrendo pelo rosto, mas nada disso fazia com que quisesse se mexer. Poderia ficar ali para sempre e não se importaria.
Não se importava com nada, realmente.
Sentiu nessa hora, inveja não só das pessoas que queriam viver, mas daquelas que queriam morrer. Estava no limiar; não queria mais viver, mas tinha medo de morrer.
Então não tinha nenhum objetivo; era só uma casca vazia, seca e fria.
Após o que pareceu muito tempo, levantou-se e ligou as luzes, dirigindo-se ao quarto para dormir.
Ao passar pela porta, viu que a flor que colocara em uma mesa do canto há pelo menos um mês ainda estava ali; morta, obviamente.
Observou a flor por alguns instantes; as pétalas murchas, secas e enegrecidas, encolhida e recurvada. Mas ainda havia resquícios das folhas verdes que um dia tivera.
Pensou que, se fosse comparar-se com a flor morta, concluiria que ela tinha mais vida, mesmo que estivesse dentro daquelas pétalas murchas e distorcidas.
Afinal, um dia ela fora linda, com um aroma encantador, uma preciosidade.
Mas quando pensava em si, não podia dizer o mesmo.
***
Seis horas. Seis horas da manhã, e o maldito despertador tocou, sendo silenciado por uma mão furiosa alguns segundos depois. Tentou dormir novamente, enfiando a cabeça debaixo do travesseiro, sem sucesso algum. Resolveu levantar-se antes que realmente se atrasasse. Como fazia todos os dias.
Fim
P.S: se você gostou do conto e quiser postá-lo em algum lugar, fico lisonjeada. MAS antes disso, fale comigo e quando eu liberar, poste os créditos, ou teremos problemas.