Olá pessoal!
Temos um novo conto essa semana, Street Eyes. Título retirado da música do Iggy Pop, Main Street Eyes (podem ouvir a música no 4shared ou no Youtube).
Não esqueçam de dizer o que acham (:
Street Eyes
Robert observava as cortinas de tom azul-escuro como se estivesse observando a uma obra em um museu. Cada detalhe, cada pequena dobra o fascinava; era tão lisa, tão bonita em seu veludo molhado, que por alguns instantes, se esquecera do mundo real. Mas não era exatamente incomum para Robert se esquecer do mundo real. Ele simplesmente, mergulhava em seu universo e lá ficava, até que algo o arrancasse bruscamente de lá. Nesse caso, fora a voz de Martin, seu irmão, dizendo aborrecido:
- Você não ouviu nada do que eu disse, não é Robert?
Robert somente deu um sorriso encabulado, o que fez Martin bufar e dizer:
- Eu estava falando sobre a exposição que terá hoje. Vovó quer todos nós lá para celebrar o aniversário dela, e você sabe como ela é...
Martin parou de falar quando notou os olhos opacos de Robert, em um ponto fixo atrás de si; virou-se e notou uma borboleta amarela sobrevoando-lhe.
- Assim não é possível – Martin bufou e saiu do aposento.
Robert sentou-se no chão, ao notar-se sozinho. Ele sabia o que Martin estava falando, cada linha. Só não se preocupava muito com nada daquilo; não era exatamente algo que o atraísse. Robert era quieto, calmo e tímido: não gostava de aglomerações ou muitas pessoas.
Gostava de andar pela rua em silêncio e ver as pessoas anonimamente. Robert era do tipo de pessoa que não era notado, e gostava do anonimato. Gostava de observar as pessoas. Vê-las felizes, vê-las tristes, vê-las prestes a explodir, sem que quem estivesse perto delas sequer notasse isso. Fornecia-lhe liberdade.
Martin já era o oposto. Enquanto voltava para dentro de seu quarto, pensava em como Robert podia ser tão desastrado, dispersivo e desinteressado de tudo. Martin adorava as convenções que iam com frequência, as conversas com diversas pessoas. Era seu universo.
Gostava de andar na rua também, mas ao contrário de Robert, era para se exibir, para atrair olhares. Martin agradava as pessoas, sabia disso, e gostava disso.
Ele e seu irmão eram polaridades opostas, que não entendiam como foram gerados pelos mesmos pais.
Robert esticou os dedos para tocar em uma pequena pedra de mármore que estava por ali, sentindo a textura fria e deliciosa. Estava um tanto desanimado naquele dia, e estava se refugiando mais dentro de si do que era normal. Não sabia ao certo o por que; essas coisas eram repentinas demais, e quando se dava conta, ele já estava mergulhado naquelas sensações.
Martin fora escolher a roupa que iria para a festa. Estava feliz, e não iria deixar Robert estragar isso. Não dessa vez. Com os olhos opacos e tristes, fascinado em sabe que lá qual universo paralelo, não iria deixar com que Martin se sentisse mal dessa vez. Ele não tinha culpa de ter um irmão assim, afinal.
Robert levantou-se, por fim. Teria de ir a maldita festa, ou Martin lhe falaria sobre aquilo até o fim dos tempos. Fora até seu quarto e achou que a roupa que vestia era boa o suficiente, e só ajeitou seus cabelos com um pouco de água, sem ligar para as olheiras que adquirira quando observara as estrelas até de madrugada, na última noite.
Martin finalmente decidira-se por algo, saíra do quarto pronto, quando se deparou com Robert no corredor.
Encararam-se por uns segundos que pareceram durar anos; Robert viu toda a alegria contagiante de Martin, toda a fome de viver e senso de realidade que ele tinha, vendo que Martin gostava disso, que ele era feliz.
Martin, por sua vez, vira o vazio no rosto do irmão, um vazio paradoxalmente cheio; Robert parecia pertencer a diversos mundos, diversas realidades, onde as coisas mais insignificantes faziam sentido e onde as coisas que Martin mais prezava não tinham importância alguma, e Robert sentia-se bem com isso.
Após esses segundos de observação, Robert disse em voz rouca:
- Gostaria que você pudesse trocar de lugar comigo por um dia.
- Eu também. – Martin respondeu.
Encararam-se novamente, um sorriso cúmplice se formando no lábio de ambos.
Mesmo polaridades opostas podem se atrair às vezes.
Fim